domingo, novembro 28, 2004

fernando pessoa

Litania

"Nós nunca nos realizamos.
Somos dois abismos – um poço fitando o Céu."


o livro dos desassossegos_ fernando Pessoa


  • escrita papel, escrita na pele
  • Meu gerreiro subterraneo

    Meu guerreiro subterrâneo lançou-se para a morte! Queria o beijo da Valkíria que desceria docemente do céu sobre o campo de batalha. Disse-me sorrindo, que ela viria trazendo nos seios o leite do alivio e que lançaria sua alma no mar, onde adormecem as almas de todos os guerreiros. O mesmo mar onde dormiriam seus inimigos. Disse-me que ela traria rosas em sua boca e doces cânticos. Viria de seios nus para sugar de seu corpo a alma, lançá-la no oceano de todos os guerreiros. Meu guerreiro subterrâneo lançou-se sorridente para a morte!
    Artur.

  • escrita papel, escrita na pele
  • quarta-feira, novembro 24, 2004

    she going to break your heart in two

    Velvet Underground
    Femme Fatale
    Composição: Desconhecido


    Velvet Underground
    Femme Fatale
    Composição: Desconhecido
    Here she comes,
    you better watch your step
    She's going to break your heart in two,
    it's true
    It's not hard to realize
    Just look into her false colored eyes
    She builds you up to just put you down,
    what a clown'Cause everybody knows (She's a femme fatale)
    The things she does to please (She's a femme fatale)
    She's just a little tease (She's a femme fatale)
    See the way she walks
    Hear the way she talks
    You're put down in her book
    You're number 37, have a look
    She's going to smile to make you frown,
    what a clownLittle boy,
    she's from the streetBefore you start,
    you're already beat
    She's gonna play you for a fool,
    yes it's true
    'Cause everybody knows (She's a femme fatale)
    The things she does to please (She's a femme fatale)
    She's just a little tease (She's a femme fatale)
    See the way she walksHear the way she talks
  • escrita papel, escrita na pele
  • terça-feira, novembro 23, 2004

    e(c)lipse Lunar

    E(c)lipse Lunar.

    A noite de sonhos na pedra congelada.
    O desejo petrificado em retorno eterno,
    Encarcerado em sua Orbita elíptica.

    O toque paralisado no instante de sê-lo.
    A noite despetalada, sem perfume, em pedra.

    O retorno do retorno do retorno.

    A noite paralisada na órbita de pedra,
    Congelada no tocar de um sonho.

    A flor em gelo concretizada,
    Em concreto, sem perfume, congelada,
    Na orbita infinita do desejo.
    Artur


    uma rosa é uma rosa é uma rosa...
    Gertrud Stein
  • escrita papel, escrita na pele
  • ostrakon

    Me perguntaste, um dia, se eu tinha medo da plenitude e esbouçaste um sorriso irônico.
    Hoje te respondo: Sim, eu tenho medo da plenitude!
    Por isso não possuo abrigos. A plenitude me mete medo!
    Temo a plenitude do caminho perfeito, vendida em qualquer esquina,
    a plenitude das verdades e das vidas entre ferros, a preço de dizimos e subserviencia,
    a plenitude de propagandas, de alegrias auto-complacentes, de amores perfeitos de sabao-em-pó e programas de auditório, das ataraxias infinitas de blockbusters pornograficos, da satisfação da necessidades inventadas, da felicidade artificial.
    Por isso habito as ruas e as esquinas, por isso prefiro meu canto em comunhao aos dos proscritos. E rogo pela plenitude dos silvestres.
    Pois é nos palcos onde onde anunciam as peças do sublime , que defila sempre, para os meus olhos, a anilmalidade,
    Não moro mais na casa das crenças pueris e carrego o fardo de opções, aos olhos do mundo, insanas.
    Por isso me desgarro do rebanho e por escolha nao ouso esmagar com o calcanhar as serpentes,
    gosto de vê-las sem mimetismos , dançando e destilando seus venenos, (é preciso ter venenos pra nao usar mimetismos!).
    Por isso nego a tua plenitude, nego qulalquer palavra que me afaste de mim mesmo. E rogo a Pã, que volte, um dia, triunfante aos bosques!
    artur
  • escrita papel, escrita na pele
  • das tres transformações-nietzsche

    Das Três Transformações
    “Três transformações do espírito vos menciono: como o espírito se muda em camelo, e o camelo em leão, e o leão, finalmente, em criança. Há muitas coisas pesadas para o espírito, para o espírito forte e sólido, respeitável. A força deste espírito está bradando por coisas pesadas, e das mais pesadas. Há o quer que seja pesado? – pergunta o espírito sólido. E ajoelha-se como camelo e quer que o carreguem bem. Que há mais pesado, heróis – pergunta o espírito sólido – a fim de eu o deitar sobre mim, para que a minha forca se recreie? Não será rebaixarmo-nos para o nosso orgulho padecer? Deixar brilhar a nossa loucura para zombarmos da nossa sensatez? Ou será separarmo-nos da nossa causa quando ela celebra a sua vitória? Escalar altos montes para tentar o que nos tenta? Ou será sustentarmo-nos com bolotas e erva do conhecimento e padecer fome na alma por causa da verdade? Ou será estar enfermo e despedir a consoladores e travar amizade com surdos que nunca ouvem o que queremos? Ou será submerjirmo-nos em água suja quando é a água da verdade, e não afastarmos de nós as frias rãs e os quentes sapos? Ou será amar os que nos desprezam e estender a mão ao fantasma quando nos quer assustar? O espírito sólido sobrecarrega-se de todas estas coisas pesadíssimas; e à semelhança do camelo que corre carregado pelo deserto, assim ele corre pelo seu deserto. No deserto mais solitário, porém, se efetua a segunda transformação: o espírito torna-se leão; quer conquistar a liberdade e ser senhor no seu próprio deserto. Procura então o seu último senhor, quer ser seu inimigo e de seus dias; quer lutar pela vitória com o grande dragão. Qual é o grande dragão a que o espírito já não quer chamar Deus, nem senhor? “Tu deves”, assim se chama o grande dragão; mas o espírito do leão diz: “Eu quero”. O “tu deves” está postado no seu caminho, como animal escamoso de áureo fulgor; e em cada uma das suas escamas brilha em douradas letras: “Tu deves!” Valores milenários brilham nessas escamas, e o mais poderoso de todos os dragões fala assim: “Em mim brilha o valor de todas as coisas”. “Todos os valores foram já criados, e eu sou todos os valores criados. Para o futuro não deve existir o “eu quero!” Assim falou o dragão. Meus irmãos, que falta faz o leão no espírito? Não bastará a besta de carga que abdica e venera? Criar valores novos é coisa que o leão ainda não pode; mas criar uma liberdade para a nova criação, isso pode-o o poder do leão. Para criar a liberdade e um santo NÃO, mesmo perante o dever; para isso, meus irmãos, é preciso o leão. Conquistar o direito de criar novos valores é a mais terrível apropriação aos olhos de um espírito sólido e respeitoso. Para ele isto é uma verdadeira rapina e coisa própria de um animal rapace. Como o mais santo, amou em seu tempo o “tu deves” e agora tem que ver a ilusão e arbitrariedade até no mais santo, a fim de conquistar a liberdade à custa do seu amor. É preciso um leão para esse feito. Dizei-me, porém, irmãos: que poderá a criança fazer que não haja podido fazer o leão? Para que será preciso que o altivo leão se mude em criança? A criança é a inocência, e o esquecimento, um novo começar, um brinquedo, uma roda que gira sobre si, um movimento, uma santa afirmação. Sim; para o jogo da criação, meus irmãos, é preciso uma santa afirmação: o espírito quer agora a sua vontade, o que perdeu o mundo quer alcançar o seu mundo. Três transformações do espírito vos mencionei: como o espírito se transformava em camelo, e o camelo em leão, e o leão, finalmente, em criança”.
  • escrita papel, escrita na pele
  • segunda-feira, novembro 22, 2004

    noticias

    Se por acaso perguntasse como ando. Diria que estou bem! Sigo vivendo. Como sempre, entre uns momentos de epifania e outros de estranhamento. Diria que tombou aquela velha ordem mundial e que muito do que me assombrava hoje ja não me importa. Diria que apesar de ter a lança na mão fiz as pazes com alguns de meus moinhos.
    artur
  • escrita papel, escrita na pele
  • domingo, novembro 21, 2004

    um outono

    As folhas que eram brancas envelheceram, assim como todo os cantos da casa. Os móveis não estão mais no mesmo lugar. O velho cão foi pra floresta no fim da tarde, foi morrer sozinho. Seriam os vapores vindos do litoral?Seria a terra da desesperança? Fizemos provisões, mas a noite foi maior... tentamos avistar o outro lado, fantasiamos ilhas invisíveis. Mas não há, nem outro lado, nem ilhas invisíveis! Nada acalma o medo que temos da travessia.
    artur
  • escrita papel, escrita na pele
  • sexta-feira, novembro 19, 2004

    sutra da serenidade

    As mais poderosas tormentas, quando vistas da serenidade da janela de nossas casas, soam sempre como música. Que engraçado, assim também é nossa alma! Precisamos aprender a criar algum abrigo dentro dela, para esperar a escuridão passar, apreciando a beleza furiosa dessas tempestades.
    artur
  • escrita papel, escrita na pele
  • baudelaire e florbela estão mortos!

    O heuatontimourumenos
    Baudelaire
    Sem colera hei de te atacar
    Como um carniceiro e sem ódio!
    Como o fez Moisés no episódio
    do rochedo _ e de teu olhar,

    Ha de beber o meu Saara,
    A agua do sofrimento mansa.
    Meu sonho cheio de esperança
    no teu pranto nadará!

    E como uma nave que ao mar larga,
    E em meu ébrio coração
    teus soluços ressoarão
    Como tambor rufando à carga!

    Pois eu não sou um falso acorde
    Nesta divina sinfonia
    Graças à voraz Ironia
    que me sacode e que me morde?

    Ela em minha voz vocifera!
    Todo o meu sangue é este veneno!
    Eu sou espelho tão terreno
    Em que se contempla a megera!

    Eu sou a chaga e o punhal!
    Eu sou o rosto e a bofetada
    A roda e a carne lacerada,
    Carrasco e vitima afinal,

    Sou o vampiro de meu coração,
    _ Um desses mais abandonados
    Ao riso eterno condenado

    E que nunca mais sorrirão.

  • escrita papel, escrita na pele
  • florbela

    Crepúsculo

    Teus olhos, Borboletas de oiro, ardentes.
    Borboleta de sol de asas magoadas
    Poisam nos meus suaves e cansadas,
    Como em dois lírios roxos e dolentes

    E os lírios se fecham,
    Meu amor... não sentes?Minha boca tem rosas demasiadas(...)
    Florbela Espanca
  • escrita papel, escrita na pele
  • terça-feira, novembro 16, 2004

    italo calvino- contra a prostituição da palavra "amor".

    "(...)A parte inferior do quadro era ocupada por uma legenda comprida, em densas linhas de uma escrita curva e angulosa, branco sobre negro. Ali eram celebradas devotamente vida e morte das duas persongens, que tinham sido o capelão e a abadessa do convento (ela de familia nobre lá entrara como condessa aos dezoito anos). A razão pela qual achavam-se retratados juntos era o extraodinário amor ( a palavra pia na prosa espanhola vinha carregado do halo ultraterreno) que havia unido por trinta anos a abadessa e seu confessor, um amor( a palavra na sua acepção espiritual sublimava mas não cancelava a emoção corpórea) tal que, ao morrer o padre , a abadessa , vinte anos mais jovem, no intervalo de um dia adoecera e , literalmente, havia expirado por amor( a palavra queimava como uma verdade em que todos os significados convergem) para reencotra-lo no céu."
    extraido do conto Sob o sol-Jaguar de Italo Calvino.
  • escrita papel, escrita na pele
  • segunda-feira, novembro 15, 2004

    misticismo adolescente

    "Fomos lançados em um labirinto sem fronteiras, que se reduplica pela ação de espelhos,
    tentamos em vão decodificar estrelas"
    a.
    "Quem seria capaz de que quebrar os espelhos da realidade? fazer dos estilhaços a mais bela adaga, crava-la no peito e na dor fenecer? quem seria esse heroi transcendental?"
    a.

  • escrita papel, escrita na pele
  • drummond ( psicodélico)

    Máquina do Mundo
    Carlos Drummond de Andrade


    E como eu palmilhasse vagamente
    uma estrada de Minas, pedregosa,
    e no fecho da tarde um sino rouco
    se misturasse ao som de meus sapatos
    que era pausado e seco; e aves pairassem
    no céu de chumbo, e suas formas pretas
    lentamente se fossem diluindo
    na escuridão maior, vinda dos montes
    e de meu próprio ser desenganado,
    a máquina do mundo se entreabriu
    para quem de a romper já se esquivava
    e só de o ter pensado se carpia.
    Abriu-se majestosa e circunspecta,
    sem emitir um som que fosse impuro
    nem um clarão maior que o tolerável
    pelas pupilas gastas na inspeção
    contínua e dolorosa do deserto,
    e pela mente exausta de mentar
    toda uma realidade que transcende
    a própria imagem sua debuxada
    no rosto do mistério, nos abismos.
    Abriu-se em calma pura, e convidando
    quantos sentidos e intuições restavam
    a quem de os ter usado os já perdera
    e nem desejaria recobrá-los,
    se em vão e para sempre repetimos
    os mesmos sem roteiro tristes périplos,
    convidando-os a todos, em coorte,
    a se aplicarem sobre o pasto inédito
    da natureza mítica das coisas,
    assim me disse, embora voz alguma
    ou sopro ou eco ou simples percussão
    atestasse que alguém, sobre a montanha,
    a outro alguém, noturno e miserável,
    em colóquio se estava dirigindo:
    "O que procuraste em ti ou fora de
    teu ser restrito e nunca se mostrou,
    mesmo afetando dar-se ou se rendendo,
    e a cada instante mais se retraindo,
    olha, repara, ausculta: essa riqueza
    sobrante a toda pérola, essa ciência
    sublime e formidável, mas hermética,
    essa total explicação da vida,
    esse nexo primeiro e singular,
    que nem concebes mais, pois tão esquivo
    se revelou ante a pesquisa ardente
    em que te consumiste... vê, contempla,
    abre teu peito para agasalhá-lo.”
    As mais soberbas pontes e edifícios,
    o que nas oficinas se elabora,
    o que pensado foi e logo atinge
    distância superior ao pensamento,
    os recursos da terra dominados,
    e as paixões e os impulsos e os tormentos
    e tudo que define o ser terrestre
    ou se prolonga até nos animais
    e chega às plantas para se embeber
    no sono rancoroso dos minérios,
    dá volta ao mundo e torna a se engolfar,
    na estranha ordem geométrica de tudo,
    e o absurdo original e seus enigmas,
    suas verdades altas mais que todos
    monumentos erguidos à verdade:
    e a memória dos deuses, e o solene
    sentimento de morte, que floresce
    no caule da existência mais gloriosa,
    tudo se apresentou nesse relance
    e me chamou para seu reino augusto,
    afinal submetido à vista humana.
    Mas, como eu relutasse em responder
    a tal apelo assim maravilhoso,
    pois a fé se abrandara, e mesmo o anseio,
    a esperança mais mínima — esse anelo
    de ver desvanecida a treva espessa
    que entre os raios do sol inda se filtra;
    como defuntas crenças convocadas
    presto e fremente não se produzissem
    a de novo tingir a neutra face
    que vou pelos caminhos demonstrando,
    e como se outro ser, não mais aquele
    habitante de mim há tantos anos,
    passasse a comandar minha vontade
    que, já de si volúvel, se cerrava
    semelhante a essas flores reticentes
    em si mesmas abertas e fechadas;
    como se um dom tardio já não fora
    apetecível, antes despiciendo,
    baixei os olhos, incurioso, lasso,
    desdenhando colher a coisa oferta
    que se abria gratuita a meu engenho.
    A treva mais estrita já pousara
    sobre a estrada de Minas, pedregosa,
    e a máquina do mundo, repelida,
    se foi miudamente recompondo,
    enquanto eu, avaliando o que perdera,
    seguia vagaroso, de mãos pensas.

  • escrita papel, escrita na pele
  • drummond

    Nascer de Novo

    Nascer: findou o sono das entranhas.

    Surge o concreto,

    a dor de formas repartidas.

    Tão doce ra viver

    sem alma, no regaço

    do cofre maternal, sombrio e cálido.

    Agora,

    na revelação frontal do dia,

    a consciência do limite,

    o nervo exposto dos problemas.



    Sondamos, inquirimos

    sem resposta:

    Nada se ajusta, deste lado,

    à placidez do outro?

    É tudo guerra, dúvida

    no exílio?

    O incerto e suas lajes

    criptográficas?

    Viver é torturar-se, consumir-se

    à míngua de qualquer razão de vida?

    Eis que um segundo nascimento,

    não adivinhado, sem anúncio,

    resgata o sofrimento do primeiro,

    e o tempo se redoura.

    Amor, este o seu nome.

    Amor, a descoberta

    de sentido no absurdo de existir.

    O real veste nova realidade,

    a linguagem encontra seu motivo

    até mesmo nos lances de silêncio



    A explicação rompe as nuvens,

    das águas, das mis vagas circunstâncias:

    Não sou eu, sou o Outro

    que em mim procurava seu destino.

    Em outro alguém estou nascendo.

    A minha festa,

    o meu nascer poreja a cada instante

    em cada gesto meu que se reduz

    a ser retrato,

    espelho,

    semelhança

    de gesto alheio aberto em rosa.


  • escrita papel, escrita na pele
  • henry miller

    "Dar o passo fatal, mandar tudo para os infernos, é em si uma emancipação do pensamento: as consequencias nunca me passaram pela cabeça. Render-se absoluta e incondicionalmente a uma mulher que se ama é romper todas as amarras, exceto o desejo de não a perder, que é a amarra mais terrivel de todas."
    henry miller
    (gentilmente roubado do marcador de livros minha amiga kate)
  • escrita papel, escrita na pele
  • ferreira gullar

    fluo obscuro de mim, enquanto a rosa
    se entrega ao mundo, estrela tranquila!
    nada sei do que sofro
    o mesmo tempo
    que em mim é frustração nela cintila.
    e este, por sobre nós espelho,
    bebe o odio em mim, nela o vermelho.
    morro o que sou nós dois,
    o mesmo vento que impele a rosa é que nos move espelho.

    Não sei o nome desse poema, nem sei se está correto... foi copiado as pressas de uma apresetação de um trabalho sobre o tema "A Consciência" , feito por um colega de faculdade. Agrada-me do geito que está ( que é o unico geito que o conheço). O espelho é a metafora da consciencia
  • escrita papel, escrita na pele
  • domingo, novembro 14, 2004

    esterela sem nome.

    Estrela sem Nome.
    Além do reino das palavras,
    Além de suas teias de sentido,
    Ha sentidos que unem o desconexo.
    Além das essencias insondáveis,
    e das representações da rosa,
    Ha concreta e paciente, a rosa.
    Além do futuro que não se toca,
    Além do passado que se perdeu,
    ha a beleza ofegante do momento.
    Além das declarações de amor
    e das lâminas carcerárias do desejo,
    ha a pulsar o desejo, o desejo...
    Assim: es para mim estrela sem nome,
    és o que és para mim,
    (mesmo que não o sejas para mim).
    E eu que tanto quero as rosas, sendo apenas silentes rosas,
    quero-te apenas pelo que és:
    Além de mim.... estrela sem nome.
    artur
    fecho tristemente hoje, um conturbado e belo livro com as mesmas palavras com que escrevi seu prefácio.
  • escrita papel, escrita na pele
  • O Profeta Gentileza. Leonardo boff.



    O Profeta Gentileza
    Seguramente muitos do Rio se lembram daquela figura singular de cabelos longos, barbas brancas, vestindo uma bata alvíssima com apliques cheios de mensagens, com um estandarte na mão com muitos dizeres em vermelho, que a partir dos inícios de 1970 até a sua morte em 1996 percorria toda a cidade, viajava nas barcas Rio-Niterói, entrava nos trens e ônibus para fazer a sua pregação. A partir de 1980 encheu as 55 pilastras do viaduto do Caju, perto da rodoviária, com inscrições em verde-amarelo propondo sua crítica do mundo e sua alternativa ao mal-estar de nossa civilização. Não era louco como parecia, mas um profeta da têmpera dos profetas bíblicos como Amós ou Oséias.
    Como todo profeta, sentiu também ele um chamamento divino que veio através de um acontecimento de grande densidade trágica:o incêndio do circo norte-americano em Niterói no dia 17 de dezembro de 1961 no qual foram calcinadas cerca de 400 pessoas. Era um empresário de transporte de cargas em Guadalupe e sentiu-se chamado para ser o consolador das famílias destas vítimas. Deixou tudo para trás e tomou um de seus caminhões e colocou sobre ele duas pipas de cem litros de vinho e lá junto às barcas em Niterói distribuía-o em pequenos copos de plástico dizendo:” quem quiser tomar vinho não precisa pagar nada, é só pedir por gentileza, é só dizer agradecido”. De José da Trino, esse era seu nome, começou a se chamar José Agradecido ou Profeta Gentileza. Interpretou a queima do circo como um metáfora da queima do mundo assim como está organizado como um circo pelo “capeta-capital…que vende tudo, destrói tudo, destruindo a própria humanidade”. Segundo ele, devemos construir outro mundo a partir da Gentileza, o que ele fez em miniatura, transformando o local num belíssimo jardim, chamado “Paraiso Gentileza”. O quarto aplique de sua bata dizia:”Gentileza é o remédio de todos os males, amor e liberdade”. E fundamentava assim:”Deus-Pai é Gentileza que gera o Filho por Gentileza…Por isso, Gentileza gera Gentileza”. Ensinava com insistência: em lugar de “muito obrigado” devemos dizer “agradecido” e ao invés de “por favor” devemos usar “por gentileza” porque ninguém é obrigado a nada e devemos ser gentis uns para com os outros e relacionarmo-nos por amor e não por favor. Não é exatamente isso que o Rio de Janeiro está precisando?
    Já dissemos nesta coluna que, junto com o princípio de Geometria, a Gentileza funda um princípio civilizatório, princípio descurado pela modernidade e hoje de extrema importância se quisermos humanizar as relações demasiadamente funcionais e marcadas pela violência.
    A crítica da modernidade não é monopólio dos mestres do pensamento acadêmico como Freud com seu O mal estar da civilização ou a Escola de Frankfurt com Horkheimer com seu O eclipse da razão e com Habermas com o seu Conhecimento e interesse ou mesmo toda a produção filosófica do Heidegger tardio.O Profeta Gentileza, representante do pensamento popular e cordial, chegou à mesma conclusão que aqueles mestres. Mas foi mais certeiro que eles ao propor a alternativa: a Gentileza como irradiação do cuidado e da ternura essencial. Esse paradigma tem mais chance de nos humanizar do que aquele que ardeu no circo de Niterói:o espírito de geometria, o saber como poder e o poder como dominação sobre os outros e a natureza.
  • escrita papel, escrita na pele
  • que é a loucura?

    Que é a loucura: ser cavaleiro andante
    ou segui-lo como escudeiro?
    De nós dois que é o louco verdadeiro?
    O que, acordado, sonha doidamente?
    O que mesmo vendado, vê o real e segue 0 sonho
    de um doido pelas bruxas embruxado?
    Carlos Drumond de Andrade
    (Quixote e Sancho de Portinari, 1974)
  • escrita papel, escrita na pele
  • sábado, novembro 13, 2004

    van gogh o suicidado pela sociedade. Antonin Artaurd

    "Pode-se falar da boa saúde mental de Van Gogh, que em toda a sua vida apenas assou uma das mãos e, fora isso, limitou-se a cortar a orelha esquerda numa ocasião. Num mundo no qual diariamente comem vagina assada com molho verde ou sexo de recém-nascido flagelado e triturado, assim que sai do sexo materno. E isso não é uma imagem, mas sim um fato abundante e cotidianamente repetido e praticado no mundo todo.
    E assim é que a vida atual, por mais delirante que possa parecer esta afirmação, mantém sua velha atmosfera de depravação, anarquia, desordem, delírio, perturbação, loucura crônica, inércia burguesa, anomalia psíquica (pois não é o homem, mas sim o mundo que se tornou anormal), proposital desonestidade e notória hipocrisia, absoluto desprezo por tudo que tem uma linguagem e reivindicação de uma ordem inteiramente baseada no cumprimento de uma primitiva injustiça; em suma, de crime organizado. Isso vai mal porque a consciência enferma mostra o máximo interesse, nesse momento, em não recuperar-se da sua enfermidade. Por isso, uma sociedade infecta inventou a psiquiatria, para defender-se das investigações feitas por algumas inteligências extraordinariamente lúcidas, cujas faculdades de adivinhação a incomodavam.
    E o que é um autêntico louco? É um homem que preferiu ficar louco, no sentido socialmente aceito, em vez de trair uma determinada idéia superior de honra humana. Assim, a sociedade mandou estrangular nos seus manicômios todos aqueles dos quais queria desembaraçar-se ou defender-se porque se recusavam a ser cúmplices em algumas imensas sujeiras. Pois o louco é o homem que a sociedade não quer ouvir e que é impedido de enunciar certas verdades intoleráveis."
  • escrita papel, escrita na pele
  • Beslan 03/09/04.

    Beslan 03/09/04.



    Na minha cartografia interior, o oceano desaba no horizonte do absurdo.



    Se luzes houver, que além, no céu, oscilem; são de estrelas há muito sublimadas.



    E por mais que tente traçar as linhas de no papel, para além das coisas que vejo,



    O que traço, são apenas linhas do vazio de um projeto inutil...



    Nem os corpos, nem as cartas, nem as ultimas flores do adeus emergem do abismo,



    Velhos marinheiros lançam fúnebres cânticos, que se perdem sem ecos ou respostas.



    Medieva cartografia, onde o abismo dilacera o oceano de minh’alma!

    artur

  • escrita papel, escrita na pele
  • E(c)lipse Lunar

    E(c)lipse Lunar.

    A noite de sonhos na pedra congelada.
    O desejo petrificado em retorno eterno,
    Encarcerado em sua Orbita elíptica.

    O toque paralisado no instante de sê-lo.
    A noite despetalada, sem perfume, em pedra.

    O retorno do retorno do retorno.

    A noite paralisada na órbita de pedra,
    Congelada no tocar de um sonho.

    A flor em gelo concretizada,
    Em concreto, sem perfume, congelada,
    Na orbita infinita do desejo.
    Artur


    uma rosa é uma rosa é uma rosa...
    Gertrud Stein
  • escrita papel, escrita na pele
  • absinto

    Mais uma vez tento juntar os fragmentos do dia,

    Mais uma vez, pelas vítrias distorções laminares,

    na verde atmosfera de teus cortantes olhos.

    Mais uma vez meu corpo em estilhaços...
    artur
  • escrita papel, escrita na pele
  • ariadne

    Ariadne.

    Traço linhas que ficam no chão do papel, para que indiquem o caminho de volta de meu labirinto. Não! As palavras escritas não nos desviam da sanidade! Elas são presentes dados pelos sonhos, ficam em nossas mãos, mesmo depois de acordadas as defesas da razão... São feitas de matéria mais densa que as lembranças do delírio. E é só por isso é que parece ser tão difícil escrever e estar são. Na verdade, a insanidade está nos olhos daquele que lê e julga. Só as palavras podem dilatar as etéreas margens da consciência. E, por serem matéria prima do real, só elas podem expandir o Universo. Devem ser postas no papel para roubar a fugidias imagens que chegam à luz da consciência. Furtar as que se escondem na sombra que é projetada pelo muro quase intransponível da razão. As palavras devem roubá-las, antes que sejam novamente engolidas pelas sombras. Quais são as palavras que não posso ler na minha trama interior de significações? Quais são os medos que poderiam querer lhes ocultar? O que quer dizer tudo aquilo que emerge nos breves lapsos da razão? O que dizem as doces imagens de meus pesadelos febris? As imagens que se reduplicam no labirinto de espelhos? E as mascaras que insisto em usar ao representas peças para mim mesmo?...
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  • escrita papel, escrita na pele
  • anemona


    Anêmona.
    O turbilhão do dia se desfez e com ele se foram todas as palavras que me tiraram pra dançar, todas as que me deixaram na estrada. Quantas flores desabrocham num segundo? Resisto! Oscilação crepitante de fogueira. Todas as noites são iguais. No palco do meu dia desfilou a humanidade e seus esqueletos em andrtajos. Me condoí! Por eles? Por mim?...Quando a noite se abriu fecharam-se as cortinas, mas o espetáculo continuou, e o barulho não me deixou dormir...Que merda! Por que insisto em acreditar nas palavras? Preciso me tornar órfão delas... Ou sou órfão ou torno-me refém. Meu corpo invade só a escuridão e traz em si milhões escravos. A noite não me dissolveu como prometeram! Dissolveu os homens, o mundo, mas não a mim, nem ao mundo dentro de mim! Consciência imóvel, cinematografia perversa, febre latente. As vísceras de alguma sublime anatomia pulsam e se contorcem. Como anêmona? água-viva luminescente? Lanternas de carro?... Elas têm sede, sede de água salgada. Aquela língua me lambeu! Morri naqueles braços, naqueles seios suados! Misturei-me no suor do corpo que me sugou e me reteve em si... quente!... úmido! Uma voz doce ronda ainda em algum lugar...Quero um cigarro de canela vagabundo!Quem sabe uma bala de menta... uhm! Menta e chocolates! Deve ser bom ser chiclete, ser cruelmente massageada pele molar de alguém! Um dia vou morar na mucosa de alguém!
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  • escrita papel, escrita na pele
  • nunca me disseram

    NUNCA me disseram e nunca me diriam o que estava errado! Isso é algo que se percebe apenas pelas frestas que se abrem por segundo na indisplicência momentânea das faces. Tento me atrever a lançar hipóteses: Teria dito verdades demais? Teria sido sincero demais? Ingênuo demais? Teria esperado coisas demais? Sim! Isso! Além de todas as outra hipóteses, sobretudo, foi isso! Eu sei, sempre esperei coisas demais. Quando me davam dedos eu me agarrava ao corpo, quando me deixavam ver através de cortinas eu arrombava paredes. E no que resultou? Todos fecharam as suas janelas deixando-me aqui, do lado de fora, com a imensa sensação de ter dado a vida toda vexame, sendo sempre o último a saber. Como disse Cartola, “o mundo é um moinho”, e ele destrói os nossos sonhos mais mesquinhos a cada esquina. É que na verdade, a nossa mesquinhez se fantasia de sonhos e a repudia ao nosso egoísmo não nos deixa ver que os outros sempre serão esferas veladas, distantes, refugiadas em si dos planos mais altruístas que se forjam no egocentrismo de nossos corações.
    Eu, que sempre acreditei que pudesse encontrar no outro um abrigo, saí por aí oferecendo meu colo, que no desespero de ser amado fui sempre o primeiro a gritar que amava, concluí que o mundo era de pedra e nele tudo que não fosse pedra era delírio.
    Restava-me escolher, ou delírio ou a pedra. Ambas as opções eram indiferentes: Se escolhesse o delírio, meus pés, guiados por um corpo cego, se cortariam nas pedras. Se escolhesse as pedras, a ausência das nuvens dos sonhos tornariam meus caminhos mais árduos ainda. Era tudo, ou nada, ou me fechava, ou me abria.
    O dever da escolha sempre me revoltou, mais uma vez então me revoltei, e rompi com o dever. A revolta me fez inventar um novo e, “só meu caminho”.Tinha descoberto a solução: Iria trilhar o caminho de pedras numa busca sagaz, pelo cálice sagrado de meus sagrados delírios! Eureca! Mas, derrepente a matemática ironia das coisas, ou a irônica matemática das coisas, fez com que minha sagacidade de guerreiro se transformasse diante de meus olhos na mais pura e cega pilhagem bárbara. Fui uma criança egoísta que gritava a todo instante: Eu quero! Eu quero!Me dá! Não importavam as conseqüências, não importava, mais uma vez o outro.
    Ah! Perdi o bonde da esperança, volto pálido para casa! Onde foi parar o sossego, e a paz? Qual foi a lição de casa que perdi, devorada por um cachorro qualquer? Será que amadureci? O amadurecer para mim sempre suou como a morte dos sonhos. Desaprendi, creio que com a maturidade ou com a morte dos sonhos, sei lá! Desaprendi a inestimável capacidade que toda criança tem de amar sem saber que ama, de estar junto sem saber porquê, de ser levado pelas coisas, sem nem chegar a se dar conta de que elas acontecem. Desaprendi, ou desaprenderam todos?... Eu não sei!
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  • escrita papel, escrita na pele
  • enigma


    Às vezes, nos momentos em que deixo a mente vagar livremente, gosto de pensar sobre as palavras. Imagino, por exemplo, cada palavra como uma fibra disforme de algodão, daquelas que parecem ser mais leves e frágeis que o próprio ar. As palavras são prenhes da matéria das significações, assim como o são da matéria do tecido, as leves fibras de algodão. Penso em quantos significados diferentes e quantas diferentes sensações podem ser gestados, por exemplo, pela palavra “rosa”. Imagino que faltam ainda às palavras solitárias e às disformes fibras, os sentidos de significação e de tecido. E, na minha mente, ambos só adquirem um pequeno sentido, quando uma tecelã imaginária, com seus dedos, delicadamente junta duas ou mais fibras e as enrola num pequeno feixe de palavras/fibras, que gosto de chamar de “idéia”. É quando a palavra, que era prenhe de inúmeras possibilidades de desdobramento, retira os véu de significados mortos, e mostra a verdadeira face que usará.
    Imagino nossa paciente tecelã a continuar o seu trabalho. Ela enrola vários desses pequenos feixes em macias linhas de pensamento, guardando-as uma a uma, depois de tingi-las, em multicoloridos fusos. Esses fusos são postos em um grande tear para criarem a mais organizada e bela de todas as tramas de significações que é a mente. Mas o trabalho da tessitura não para por aí. Incansavelmente a tecelã junta com a linguagem os remendo de vários tecidos, trançando as suas linhas até haver uma grande e única trama de significados. É quando, na minha imaginação me pergunto: Haveria sentido falar de vários remendos ao invés de uma única trama? Sou eu teço o texto ou é ele que me tece?
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  • escrita papel, escrita na pele